Coluna da Digi # 19 – O Chato

A primeira crônica que posto aqui esta semana se chama “O Chato” e foi publicada na Diginet há exatos 2 anos, em 07.01.2008. Textinho leve e divertido do jeito que os leitores da Digi gostam.

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O chato

Você conhece o chato. Na verdade, você é íntimo dele. Ele lhe acompanhou em todos os momentos de sua vida, desde a mais tenra infância até a mais decrépita idade. Foi ele que deu aquela idéia idiota de se inscrever na quadrilha do jardim 2 mesmo sem que vocês soubessem dançar. Aí você foi, passou aquela vergonha na frente de todo o colégio, dos seus familiares, das meninas do jardim da infância (mesmo que naquela época você não ligasse pra elas) e depois ainda tentou minimizar o caso dizendo “Veja bem…” O chato sempre começa suas explicações com um “Veja bem”. E como demoram as explicações do chato.

Aliás, se você deixar o chato começar a falar, é melhor sair correndo imediatamente. Quando ele começa, não pára nunca mais. Além de tratar de assuntos totalmente irrelevantes para qualquer ser humano com cérebro maior que o de um calango, eles costumam ser muito abertos ao monólogo. Se eles começam a falar da nova temporada da série mais idiota da TV ou do último vídeo game que acabou de sair, despeça-se do seu bom-humor por aquela noite. E mesmo que você tente dar sinais de que não é muito adepto daquele assunto ou não está pouco à vontade com aquele papo, ele vai continuar exibindo todo o seu conhecimento sobre a musicografia da Madona. E nem adianta olhar no relógio a cada 5 segundos. O chato não entende indiretas. Ele é tapado, burro como uma porta e extremamente inconveniente.

Inconveniente ao extremo, aliás. Ele chega sempre na hora errada. Sabe naqueles domingos em que você quer ficar em casa sem ver uma viv’alma? Aqueles feriados em que você só pretende descansar e se preparar para o seu próximo encontro com os demais seres humanos? Pois é. É nesse dia em que ele aparece para te fazer uma visita surpresa e, pior, cheio de novidades pra contar! Quando você está com sua namorada ou amigos ou mãe, e ele surge do nada, como um ninja em meio à fumaça, num restaurante, ou barzinho, ou supermercado, diz coisas constrangedoras a seu respeito, revela um apelido oculto, estraga o seu dia como só o chato sabe e é capaz de fazer.

A inconveniência do chato está ligada à ausência de desconfiômetro de que ele sofre. O chato não se liga, não se toca, não toma semancol. Ele fala de assuntos desagradáveis que você não quer ouvir, como a eliminação do seu time ou lembra o quanto você está gorda. Aliás, ele não só cita esses assuntos, como insiste no tema. Discorre longamente sobre sua calvície ou de como você precisa de uma plástica no nariz urgentemente.

O chato discorda de você em todos os assuntos. Ele tem opiniões fortes sobre tudo e, claro, são todas estúpidas, absurdas, inconcebíveis. Mas não adianta tentar discutir com ele. É inútil. O chato de verdade não lhe deixa completar seus raciocínios, exibir seus argumentos. Aliás, é impossível sequer conversar com ele. O chato é lhe interrompe sempre que você tenta falar de algum assunto.

O chato sempre tenta se passar por sério, brinca de ser importante, insiste em ser adulto, mesmo que só tenha 11 anos de idade. Ele é aquele que lhe encontra nos lugares e, sempre que há testemunhas, lhe diz: “Cara, precisamos conversar!” Se um dia você o pressionar e tentar saber dele o que tanto ele tem pra conversar com você, não vai descobrir nada. Ou então ele vai passar a destilar uma teoria tão difusa e tangente, desprovida tanto de sentido como de pertinência que você se arrependerá de ter perguntado por 8 gerações.

Quando um chato DDD (que vem de outro Estado ou cidade) se hospeda em sua casa, tenha a certeza de que vai viver os piores dias da sua vida. Dia desses recebi um deles. Disse que iria ficar 2 dias, mas até que não foi tanto. Foram apenas 36 horas, 12 minutos e 23 segundos. Mas não foram 36 horas, 12 minutos e 23 segundos comuns, mas sim as 36 horas, 12 minutos e 23 segundos mais longas de toda a história da humanidade. É que o meu amigo chato tinha o poder de transformar instantes em intermináveis sucessões de constrangimentos.

Pra começar, ele usava o banheiro 4 vezes por dia para fazer na privada aquela outra necessidade fisiológica que não é o xixi. E deixava o banheiro completamente empestado a cada nova utilização de uma forma que o Potengi ia parecer perfume francês. Pra alqguém que mora só num apartamento pequeno com apenas 1 banheiro, isso é um problema. Grave. Sério. Esse chato que ficou lá em casa era fã da Hilda Hist e fazia questão de dividir sua devoção com o mundo, declamando de cor textos inteiros, por mais longos que fossem. Mas essa não era uma exclusividade de Hilda Hist não. Esquetes da TV Pirata, aulas do programa Vestibulando sobre índices pluviométricos, músicas do Rolling Stones. Tudo, ele sabia de memória e citava sempre que podia. E não adiantava dizer um trecho só não. Tinha que ser todo!

E mesmo com tanto conhecimento profundo a respeito de tudo isso, o chato é incapaz de executar as tarefas mais simples como ligar o computador da sua casa ou abrir a mala do carro. E é para ajudá-lo com elas que ele decide lhe acordar às 6 da manhã de um domingo, sem fazer a menor idéia de que está incomodando.

O chato não come verdura, mas só lhe avisa depois que você, cheio de boa vontade e ótimas intenções, serviu o seu prato. Ele olha contrariado para aqueles pedaços de tomate, cebola e pimentão, com um suplicante olhar de vítima e diz condescendente: “Não tem nada não. Pode deixar que eu tiro as verduras”, fazendo você se sentir culpado como se fosse mais terrível que Hitler, o maníaco do parque e Paulo Queixada juntos! Então ele retira as verduras e mastiga ruidosamente de boca aberta. Durante a refeição ele faz questão de conversar sobre os seus problemas de furúnculos, a cirurgia de redução de estômago de sua namorada e um conto do Rubem Fonseca chamado “compromancia”.

Ao contrário do que muitas pessoas pensam, o chato não é um cara antipático. Ele é animado e alegre até demais. Ri alto e de qualquer besteira. E ri das próprias piadas também, muito, mesmo que elas não tenham a menor graça e nem façam nenhum sentido. E é exatamente assim que elas sempre são. A simpatia do chato é irritante. Faz você querer esganá-lo ou beber veneno, o que estiver mais ao alcance para o momento.

No entanto, você não pode matar o chato. Na verdade, você não consegue sequer ser grosseiro com ele. É que você é refém dele. O chato é, apesar de tudo, o cara mais prestativo do mundo e você deve, no mínimo, um grande favor a ele. Foi o chato que passou 2 dias na fila, tomando chuva, sereno e sol na moleira para comprar os 2 últimos ingressos do show da sua banda preferida. E é nesse episódio de um passado remoto que você pensa antes de partir a cabeça dele com um machado. É no ingresso, no sacrifício, no favor que você pensa sempre que vai empurrá-lo de uma sacada alta ou mandá-lo calar a boca. É aquele favor que ninguém mais no mundo quis fazer por você que lhe mantém irremediavelmente ligado ao chato e que o faz ter certeza de que ele vai lhe acompanhar até a idade mais decrépita. É duro admitir, mas essa é a verdade. por mais chato que isso seja pra você. 

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