Shows para Recordar

Inspirado pela recente crônica sobre o show do Green Day e em homenagem ao Festival Dosol que acontece neste fim de semana, resolvi fazer um esforço para relembrar os 10 concertos mais marcantes que eu assisti e o contexto em que eles se passaram. Utilizei critérios meramente pessoais, deixando a boa execução, precisão musical e qualidade técnica para os críticos realmente aptos a avaliar tais requesitos. Eu fico só com o velho e bom “gostei por causa disso.”

 

Legião Urbana (1992)

Por mais que muita gente hoje em dia torça o nariz, falar do rock brasileiro sem reconhecer a importância da Legião Urbana na formação de um público roqueiro e na aproximação de uma massa diversa ao universo dos acordes frenéticos das guitarras seria uma tentativa inegável de tapar o sol com uma peneira.

Num Brasil turbulento politicamente (era o governo Collor), Renato Russo e sua trupe vieram tocar em Natal no dia 7 de setembro. Paguei 25 dinheiros para ver o concerto no Espaço de Natal (sim, isso mesmo, o papódromo). A censura na época era de 14 anos e, como eu só tinha 13, tive que ir munido de autorização dos pais e acompanhado de amigos maiores de idade. Ambiente lotado e um show instigado com versões deliciosamente intermináveis. O concerto foi marcante também para o grupo, pois interrompeu a turnê do álbum “V”.

No livro “Renato Russo – o trovador solitário” (editora Ediouro), o jornalista Arthur Dapieve revela que após a apresentação, o vocalista ficou várias horas bebendo no bar do hotel, havendo ido dormir bem tarde. Quando acordou, soube que o resto da banda e toda a equipe saíra para dar um passeio de buggy pelo litoral potiguar e explodiu de raiva, quebrando todo o quarto de hotel. Segundo, Dapieve, Renato costumava confundir horas de lazer com falta de responsabilidade, uma vez que era, ele próprio, um incorrigível e perfeccionista viciado em trabalho (e em outras coisas também).

Esse show entra na lista por dois motivos. Faz parte da história do Rock nacional e a LB foi a primeira banda que gostei, abrindo caminho para muitos outros grupos roqueiros que sigo descobrindo e curtindo até hoje.

 

Titãs e Rita Lee (1998)

Em tempos de acústico MTV do Titãs, resgatando a carreira da banda e reapresentando-a ao grande público, um cenário favorável estava criado. Toda uma multidão deixou temporariamente as praias de veraneio e acorreu ao estacionamento do Imirá para cantar todo o CD faixa a faixa, junto com a banda. Como cereja no bolo, Rita Lee, que também havia gravado acústico MTV naquele ano, com participação dos Titãs, faria o show de encerramento da noite. A coincidência era que, no CD dos Titãs, a participação especial era também de Rita Lee e o bis oi bastante animado, com as duas bandas voltando ao palco e cantando as músicas.

Porém, apesar de que goste de Titãs e também de Rita Lee, esse show só entrou na lista porque naquele dia havia saído o resultado do vestibular e eu havia passado em jornalismo na UFRN. Iniciaria uma belíssima carreira cheia de oportunidades, dinheiro, estabilidade e fama… 1… 2… 3… NOOOOT!

Mas, enfim, estava careca, bêbado e feliz!

 

Jason (1998)

Já estudante de jornalismo, acumulava também publicidade na UnP, e trabalhava na AZ Revista, publicação independente (um fanzine, na verdade) que contava com os editores Caio Vitoriano (editoria de arte) e Paulo Celestino (chefe de redação), além dos colaboradores George Rodrigo, Cristiano Medeiros e eu.

Em um dia qualquer do segundo semestre de 98, iríamos distribuir o número 8 da AZ numa festa estranha com gente esquisita no Casarão da Ribeira. Naquela noite tocariam Ravengar, Memória Rom e aquela que se tornaria uma das minhas bandas preferidas para todo o sempre: Jason. Banda carioca de hardcore que sabia dosa humor, irreverência e agressividade. Gosto desse show por isso, por estar rodeado de amigos, pela distribuição da AZ e por me remeter a uma Ribeira de fins dos anos 90 que representava um bolsão de resistência a tudo que nos rodeava nessa cidade de sol e poucas alternativas. Diante da presente situação, a Ribeira não só era uma alternativa, como era símbolo de tudo que era alternativo. A música interpretada pelo Ravengar, “Ribeira velha de guerra”, é meio que um símbolo dessa época.

A AZ Revista durou 11 números de 1997 a 1999.

 

Raimundos (1999)

Em 1999 o Raimundos era minha banda favorita. Eu já era fã desde o abençoado ano de 1994, em que descobri também Nação Zumbi, Offspring, Green Day… O show foi no Centro de Convenções, lugar terrível, mas apesar disso, foi memorável. Eles também haviam gravado um “Ao vivo MTV”, CD duplo com 40 músicas incríveias. Uma retrospectiva da carreira que as gravadoras (lembra delas?) costumavam lançar para ganhar mais dinheiro naqueles tempos. O grupo não decepcionou.

O show foi uma lapada. Eu tinha cursado (e sobrevivido) os dois primeiros anos de faculdade. Também vivia aquela fase entre os 19 e 20 anos em que somos acometidos pelo “vírus da boa vida”, resumindo a vida em beber, viajar, se divertir, curtir com os amigos, tentar comer ou namorar alguma gata, e, claro, estudar um pouco (mas só um pouco, por favor. Lembrem-se que eu cursava jornalismo.) em meio disso tudo. Por essa razão, muitas músicas dos Raimundos, que abordavam de maneira divertida temas tipicamente adolescentes como sexo, drogas, bebedeiras e atitudes irresponsáveis, me tocavam fundo o coração.

 

Jason 2007 Panço e Barba 3_reduzida

Panço (Jason) e Barba (Los Hermanos): encontro de dois dos membros desta lista no Festival Dosol 2007.

Los Hermanos (2004)

Em 2001, eu havia morado no Rio, cursando uma pós em redação publicitária. Através de amigos cariocas, acabei conhecendo algumas bandas que faziam sucesso por lá. Uma delas era o Matanza, sobre a qual, falo daqui a pouco. A outra era o Los Hermanos que eu só conhecia por causa da superhipermegaexecutada nas rádios Anna Júlia de anos antes. Naquela ocasião pude ouvir o restante do primeiro CD e também o recém lançado “Bloco do Eu Sozinho”. Gostei. 

Em 31 de janeiro de 2004, chovia muito em Natal e o show seria no Blackout. Eles haviam lançado o terceiro CD, “Ventura” e eu achava que não dari tanta gente no show, já que eles não eram tão populare spor aqui. Felizmente para mim e para esta lista, eu estava enganado.

O show ocorreu no meu primeiro dia de férias da agência de propaganda em que eu trabalhava na época e 5 dias antes do lançamento de meu primeiro livro, “Verão Veraneio”. Por isso, para simbolizar a ocasião, gosto de lembrar do trecho da música “Além do que se vê: “moça, olha só o que eu te escrevi…”. Na verdade, não tinha moça nenhuma, mas o verbo escrever se encaixa com a ocasião e acho que aquele show (ou talvez tenha sido o Blackout, hoje Galpão 29) emanou boas vibrações e acabou me dando sorte.

 

Show do Offspring 6

No show do Offspring em 2004

Offspring (2004)

No segundo semestre de 2004 eu já era em grande parte o adulto que almejava ser. Tinha um bom emprego, bons amigos, vida estável, uma carreira em construção e ainda uma atividade paralela estimulante de escritor e aprendiz de editor literário. Foi então que, próximo do fim do ano, surgiu um episódio que testaria a firmeza deste adulto e o nível de seu compromisso com os assuntos profissionais.

Em um dado fim de semana eu tinha um importante dever a cumprir no interior do RN. Deveria acompanhar a gravação de um comercial importante para o principal cliente da agência. Porém, o diabinho que habita meu ombro esquerdo ou o adolescente mal resolvido em meu  subconsciente resolveu encher minha cabeça de dúvidas. Naquele mesmo fim de semana o Offspring tocaria em Recife, pertinho de Natal. Eu tinha amigos na capital pernambucana que poderiam me hospedar e a banda havia sido determinante na minha formação musical nos anos 90, me ajudando a decidir que era esse o tipo de som que eu iria curtir dali em diante. Estava, portanto, diante de um dilema: ser responsável e acompanhar a gravação do comercial ou largar tudo e partir pra Recife, aproveitando a oportunidade única (ou pelo menos raríssima) de ver o grupo californiano ao vivo bem perto do RN?

Bem, conforme vocês já deve ter adivinhado, o adolescente foi mais forte e a escoha não poderia ter sido mais feliz. Peguei a estrada com meu amigo de infância, Marcelo de Cristo e vimos um concerto incrível. Digo sem medo de errar: valeria a pena ser demitido por aquele show. Porém, não foi necessário porque o comercial foi muito bem gravado pelo diretor Waltinho. Em homenagem a toda minha atitude inconsequente e imatura (da qual, repito enfaticamente, não me arrependo!) gosto de pensar no refrão da música de mesmo nome: “So live like there is no tomorrow” (“Então viva como se não houvesse amanhã”).

 

Planet Hemp (2005)

Adoro fazer amigos, novos amigos, além de cativar ou reencontrar os velhos. Aliás, reconstruir uma amizade ou retomar contato com um velho amigo apartado, seja por caminhos profissionais distintos ou pelo fato de ele ter ido viver longe por um período, tem o valor de conquistar um novo parceiro, como um filho pródigo bíblico. Contudo, em se tratando de novos amigos, eles nem sempre são uma boa. Alguns podem ser falsos e interesseiros. Em 2005 eu estava envolvido com alguns dessa estirpe.

No último show do Planet Hemp, que teve Natal como palco, o grupo demonstrou um entrosamento impecável de dois caras que outrora haviam sido amigos, mas não se suportavam mais. Foi excelente, capaz de lavar a alma e de vários fãs da banda. Uma catarse, com gosto de despedida que deixou uma sensação dúbia de felicidade e saudade. Alguns amigos (verdadeiros e duradouros) pularam comigo: Clodoaldo Damasceno, Arnaldo Araújo, Marcão Pinta e novamente Marcelo de Cristo. Este concerto é bastante emblemático dessa época, em que conheci gente que julgava serem amigos e depois se revelaram egoístas, mesquinhos e capazes de qualquer coisa para prosperarem na vida profissional. Hoje, não vejo mais essas pessoas que sumiram como fumaça no ar.

 

Ana, Rômulo e Fialho

Com Ana Morena e Rômulo Tavares no Festival Dosol 2006

Matanza (2005)

Meses depois, era a vez de uma outra banda carioca promover mais uma celebração. O Festival Dosol 2005, o primeiro com esse formato atual, houve um concerto para relembrar sempre. O ambiente, o público, os músicos, tudo conspirava a favor para que se realizasse o show perfeito. Sobre aquela noite, o Recife Rock escreveu: “O MATANZA FEZ APENAS E TÃO SOMENTE HISTÓRIA EM NATAL. O show deles foi irretocável, incontestável e perfeito. Divertido, matador e engraçado”. Teve pegada, energia, molecada animada, ferveram a rua Chile, supriram uma orfandade de rock bem humorado (Ultraje nunca vem ao Nordeste e os Raimundos haviam acabado). É claro que teve gente que até hoje não entendeu a piada.

Aquele ano de 2005 marcou um pouco de amadurecimento. Além de amigos incertos também andei me envolvendo com mulheres equivocadas. O Matanza se foi e deixou saudades aplacadas sempre que retornam (em 2007, por exemplo, no mesmo Festival Dosol, repetiram a dose de um show marcante que lembrou muito o de dois anos antes). O ano de 2005, por sua vez, a mim não fez falta nenhuma. Nada como um ano após o outro.

 

Abril 2007 Glauco e Frizo_reduzida

Com Glauco Gobato e o jornalista cearense George Frizo no Abril Pro Rock 2007

Tequila Baby (2007)

Uma história de viagem. Cheguei no Gringo’s Bar numa noite de sexta-feira e os amigos Gringo, Glauco e Fábio propuseram: “vamos pra Recife ver o show do Sepultura? Falta um no carro”. “Por que não?”, respondi. Fomos. Acesso aos bastidores (o Gringo é amigos dos caras), cerva de graça, bate-papo sobre futebol com o baixista, foto com Marky Ramone.

Para mim, aquela viagem valeu pela aventura, o inesperado, imprevisível e também pela chance de ver o que restava do Ramones ao vivo. Não é pouca merda não. Eu não era (e não sou até hoje) fã do Sepultura. Por isso, enquanto meus amigos oram curtir um show, eu aproveitei o outro. A liberdade daquela viagem remete à liberdade que vivo desde aquela época. Sem amarras, a vida fica bem melhor.

 

Eddie (2008)

Esse show do Eddie do dia 26 de dezembro último teve o clima de uma reunião de amigos. O ambiente favorecia. O Galpão 29 favoreceu. Particularmente é um lugar onde me sinto bem, tem uma energia boa, traz muitas lembranças bacanas. Tinha umas 200 pessoas no ambiente. Muitos amigos chegados estavam lá. O ambiente era de paz, de boa conversa, de confraternização. As ótimas músicas do Eddie serviram como trilha sonora perfeita para uma noite que emanava, quem sabe, um pouco do espírito de fim de ano que costuma nos tornar pessoas mais humanas e gentis nestes tempos natalinos. Esse concerto é o ideal para fechar a lista dos Top 10. Boas vibrações, amigos reunidos, como numa festa para velhos conhecidos. Nada melhor.

E agora, acabou? Que nada! Começo a contar de novo. O primeiro do próximo Top 10 é o do Green Day que vi mês passado. Mas sobre ele não vou escrever mais nada agora. Até porque sobre ele já disse tudo o que podia na coluna da Diginet.

10 noites, 10 shows, 10 lembranças. Bom Festival Dosol pra todo mundo. É O ROCK!

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4 Respostas to “Shows para Recordar”

  1. david obadiah Says:

    entao vc tb foi ao show no papodromo em 92… vc nao lembra da confusao e de como o show foi interrompido!!!!!!!!!!!????????????????!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  2. Carlos Fialho Says:

    Claro que lembro! Lembro da interrupção, da falta de energia e depois a pane na luz. Lembro do Renato louco, fazendo um show possesso. Lembro de muita coisa, amigo. Aquele é pra não esquecer.

  3. Rodrigo Hammer Says:

    Não culpo você por ter começado ouvindo lixo BRock (o nefando Rock Brasileiro dos 1980). O problema foi ter persistido na senda do que se faz de pior em Música no mundo, agravado pela hecatombe Mangue Beat que não fica atrás. Mas tudo bem, cara: embora não lhe conheça pessoalmente, você me parece uma luz de inteligência nesse mundinho infame de pseudo-geniozinhos da Publicidade. “Roteirizei” um dos seus contos do primeiro livro e pretendo levar a cabo o projeto. Claro que precisaria da sua aprovação/consentimento, já que tenho duas produtoras alemãs interessadas.
    Parabéns pelo blog bem interessante e abração do amigo e admirador.

  4. Ahundson Carneiro Says:

    Cara eu fui ao show no Papodrómo também, ficamos bem na frente, meu amigo tentou pegar a camisa branca que Renato jogou no fosso e os seguranças bateram nele, ele pegou uma garrafa e jogou nos caras, foi a maior confusão rsrsrsrs mas terminou tudo bem!

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