Conheci Patrício Jr. por intermédio de Modrack Freire, o diretor de arte que criou o logotipo da Jovens Escribas. Eles haviam sido dupla de criação em agência de propaganda e agora trabalhavam em empresas distintas. Naquele tempo, tínhamos 23 anos, eu andava pesquisando escritores jovens para tentar formar um coletivo e viabilizar publicações de nossos livros de estreia. Patrício, segundo me havia dito Modrack, tinha escrito um romance. Nos encontramos em um bar muito popular à época segundo o critério do nosso poder aquisitivo: o “Filé Miau”. Era um bar de espetinhos anterior à era da “Gourmetização”.
O livro que Patrício escrevera era um romance. Pelo que descrevia, era uma história bastante instigante, de jovens que passavam tempos difíceis, às voltas com angústias próprias do seu tempo, inseguranças mil e clara tendência à autodestruição. Havia também um envolvimento afetivo entre um casal de protagonistas, além de ter o suicídio como tema constante em toda a narrativa. O título da obra seria “Lítio”, medicamento utilizado por quem apresenta flutuações de humor típicas de transtorno bipolar.
Nos dias seguintes, passei a acessar o blog recém-publicado de Patrício (PLOG) e percebi que, de fato, o autor escrevia muito bem. Se juntássemos o estilo do texto ao enredo que ele havia exposto na mesa do bar, percebi que o tal “Lítio” seria um livraço, perfeito para compor a coleção que se iniciaria com o volume de crônicas “Verão Veraneio”, de minha autoria.
Inscrevi um projeto na Lei Municipal Djalma Maranhão de incentivo à Cultura. A ideia era conseguir financiamento, via renúncia fiscal, para publicar livros de 4 autores, de estilos literários diferentes: crônicas, romance, contos e poesia.
No entanto, percebi que uma das maiores virtudes de quem trabalha com publicação de livros é a paciência. O dinheiro proveniente da lei de incentivo, cujo patrocinador foi a agência Art&C, caía mensalmente, mas demoraria muitos meses para que tivéssemos capital suficiente para produzir algum livro. Nesse meio tempo, acabei publicando meu “verão veraneio” com dinheiro próprio e o de Patrício, que seria o segundo da fila de publicações patrocinadas, veio para a dianteira.
Com o patrocínio caindo em conta-gotas na conta do projeto, o escritor teve que exercitar sua temperança. Para que se tenha uma ideia, “Verão Veraneio” foi publicado com recursos próprios e, por isso, foi lançado em fevereiro de 2004. Já “Lítio”, tendo que esperar a grana da lei, veio ao mundo em dezembro de 2005, quase dois anos depois. Só a captação de verba levou 18 meses para ser concluída. Numa das conversas que tive com Patrício, diante de minha sugestão de que poderia ser uma boa adiar o lançamento para depois do carnaval, argumentando que diminuiria a concorrência com eventos de fim de ano e lançando mão da boa e velha cartada “já esperou até agora, espera um pouco mais”, ele respondeu: “se eu esperar mais, vou acabar botando um ovo”.
O livro saiu em dezembro. O ovo, felizmente, não.
O tempo de espera, no entanto, acabou sendo positivo por outro motivo. Graças a ele, pudemos elaborar melhor outra iniciativa: a Jovens Escribas. Patrício trouxe bastante energia e empolgação, agregando novos nomes ao nosso grupo em formação. Logo, ele, eu, Minchoni e Thiago de Góes estávamos conhecendo nomes como Márcio Benjamin, Daniel Liberalino, Lucílio Barbosa, Ruy Rocha, Pablo Capistrano e Clotilde Tavares, entre muitos outros nomes que compuseram um coletivo de autores a compartilhar seus assuntos em comum por e-mail. Além das mensagens trocadas num grupo de mensagens (o que hoje seria equivalente a um grupo de WhatsApp), começamos a nos encontrar e nos conhecer pessoalmente. Foi um tempo de muita alegria, descoberta e a sensação de que estávamos iniciando algo importante no cenário cultural local. Muitas tertúlias regadas a cerveja e planos de sucesso, animadas por trocas de referências culturais e literárias. Um tempo feliz em cuja principal motivação daqueles jovens promissores, ainda na primeira metade dos 20 e poucos anos, se baseava na possibilidade de acumular o máximo de leituras possível.
O “Plog”, página mantida por Patrício, revelou-se o ponto de aglutinação da turma, como um veículo oficial a impulsionar e transmitir tudo o que conversávamos na lista de discussão. Tudo foi tentado: um romance coletivo em que cada autor convidado escrevia um capítulo, um diário em que Patrício falava sua opinião sobre cada um de nós, colaborações semanais de outros escritores para o conteúdo do Plog. Lembro que Pilar Fazito, autora mineira que morava em Natal naquele ano era mais uma habituê de nossos encontros e vivia conosco aquele clima de efervescência. Outro forasteiro, Luiz Benevides, do Rio de Janeiro, também acompanhava tudo à distância. E todos nós estávamos absolutamente encantados por Patrício e sua personalidade magnética e agregadora. Eu enxergava nele, assim como em Minchoni, dois potenciais líderes que dividiriam comigo a responsabilidade e os louros da Jovens Escribas comigo.
Voltando ao livro, o diretor de arte que trabalharia nele seria o mesmo de “Verão Veraneio” e do próprio logo da editora, Modrack. A capa (mostrando um personagem sem face) seria clicada novamente por Giovanni Sérgio com tratamento de imagem e montagem realizadas por Fabrício Cavalcante, que no futuro seria a mente por trás da “Camaleão Imagem”.
Com o trabalho do livro em andamento, era hora de elaborar uma campanha de divulgação. O próprio autor se encarregou de criar uma campanha com títulos sagazes fazendo referência à trama do romance, cheios de ironia e bastante adequados à história. O conceito dado por Patrício chamou a atenção. Ele dizia que seu livro era “cru, polêmico e indigesto”, anunciando que ele incomodaria muitos leitores, que veio para mexer com os sentimentos e revirar estômagos mais sensíveis. Em postagens no seu Plog, Patrício complementava os anúncios, descrevendo o quanto dele mesmo estava no texto transformado em obra de estreia. Relatava que trechos inteiros foram escritos com o teclado banhado em lágrimas, ou que muitas de suas angústias, inseguranças e mistérios pessoais embalaram os capítulos da história. Para completar, ele ainda escolhia a dedo os parágrafos que publicava na divulgação, partes que contivessem palavrões ou desabafos verborrágicos e ofensivos do autoconfiante protagonista em momentos de extrema excitação.
Essa atmosfera criada pelo autor atraiu bastante atenção para o livro. Foi algo meio “A Bruxa de Blair”. Muita gente dizendo que não iria querer ler o livro, pois devia conter um conteúdo pesado demais. Outros afirmavam que, apesar de ser um livro “pra chocar”, tinham bastante curiosidade em saber do que se tratava e iriam comprar a obra. Enfim, a campanha estava sendo muito eficaz em mostrar às pessoas que o conteúdo era “cru, polêmico e indigesto”.
As peças foram amplamente divulgadas pela rede mundial de computadores e Patrício usou sua extensa relação de amigos, colegas e conhecidos para potencializar a promoção. Contamos ainda com matérias bem bacanas nos principais veículos da época.
Repetimos algumas estratégias do primeiro lançamento da editora para facilitar a assimilação do público e fidelizar leitores que já haviam ido ao lançamento do meu primeiro livro (“Verão Veraneio”), no ano anterior. Lançamos novamente na AS Livros, no Praia Shopping e contamos com a ajuda dos mesmos formadores de opinião que nos deram força no outro lançamento.
O lançamento de Patrício contou ainda com um trunfo adicional: como ocorreu numa época em que os Jovens Escribas já estavam mais consolidados como um grupo, tanto eu, como Minchoni e Thiago de Góes divulgamos como pudemos o lançamento de Patrício, convidando nossos amigos a comparecerem com o argumento de que aquele não era apenas o lançamento do livro de um escritor amigo nosso, mas o resultado de um trabalho do qual nós também fazíamos parte. Era como se o livro de Patrício fosse também um pouco nosso.
E deu certo!
Apareceram muitos amigos, não só de Patrício, mas dos outros autores. Patrício ficou lá assinando os livros, enquanto Minchoni e eu fizemos as vezes de anfitriões, recebendo e distraindo os convidados. No fim da noite, um sucesso de vendas. Patrício até que estava feliz, mas se mostrava muito mais nervoso. Sorria amarelo, respondia aos parabéns com um obrigado tímido, não parecia nada à vontade.
Foram vendidos cerca de 70 exemplares da tiragem de 300 que havíamos impresso. Depois do lançamento, fomos tomar umas cervas no Gringo’s Bar. Não esticamos muito, uma vez que trabalhávamos no outro dia. Cheguei em casa e decidi ler o livro com mais atenção, uma vez que na fase de preparação, li apenas alguns trechos principais.
Surpresa: o texto polêmico, pesado ou mesmo difícil. Pelo contrário, era fluído, divertido, envolvente, empolgante, trazia elementos metalinguísticos que convertiam o leitor em cúmplice, inseria lembranças e “flashbacks” que nos transportavam até as vidas pregressas dos narradores, nos fazendo embarcar em seus pontos de vista, compreendendo a posição de cada lado da conversa telefônica que conduz a narrativa, trazia ainda um ritmo ficcional quase audiovisual de tão frenético. Era, conforme eu já havia concluído, um livraço.
Cheguei ao trabalho na manhã seguinte e mandei uma mensagem pra Minchoni: “Li 60 páginas do livro de Patrício antes do café-da-manhã”, ao que ele respondeu: “Li 160!”.
O livro não era cru, não era polêmico. E, acima de tudo, não era nada indigesto!
NO PRÓXIMO TEXTO: É TUDO MENTIRA E OS 40 LEIAUTES!